Decretado como Dia do Índio pelo presidente Getúlio Vargas em 1943, a data de 19 de abril é utilizada até hoje como homenagem ao Primeiro Congresso Indigenista Interamericano, realizado em 1940 no México. Atualmente, vemos no Brasil uma série de discussões relativas aos direitos dos habitantes mais antigos do território. Muito se falando e pouco se fazendo, vemos muitas terras tomadas novamente dos Indígenas, seja pelas mudanças do Código Florestal, seja pela construção de novas usinas na Amazônia. Em honra aos nossos ancestrais que primeiro habitaram esse chão, trago a público o meu grito de protesto ante as muitas injustiças sofridas por tais povos ao longo de sua longa e sofrida trajetória de convivência com os seus "conquistadores".
Na madrugada, um alarme de segurança soava
sonoramente em uma rica casa de um bairro nobre. O ladrão havia arrombado o
cadeado do portão da frente e estava quase conseguindo escapar quando foi pego
pelos vigias noturnos pagos pelo dono da casa, um deputado de brilhante
reputação, sobretudo com suas políticas de combate à criminalidade.
Extremamente orgulhoso dos seus antepassados lusitanos.
O proprietário colocou seu chinelo e
vestiu um roupão vermelho claro por cima do pijama e foi até o escritório. Era
um homem de forma imponente, postura reta e um olhar que intimidava seus
adversários políticos. De estatura média, magro, sem barba, cabelos totalmente
grisalhos, pele muito clara e olhos azuis, o homem vivia um dos melhores
períodos de sua carreira.
Os seguranças, altos, fortes e
também de pele clara trouxeram o ladrão e o jogaram sentado em uma cadeira na
frente da escrivaninha do patrão, que fixava o seu olhar naquele criminoso. O
ladrão olhou para os lados, assustado, e depois se virou para o patrão, se
acalmando, mas ainda sem saber o que fazer. Os vigias ficaram parados atrás da
cadeira onde estava o bandido.
O ladrão era um velho índio. Sem
barba, algumas rugas no rosto e cabelo preto curto e muito liso. Andava de pés
descalços, vestia uma calça de abrigo cinza completamente suja e uma espécie de
poncho, de cor azul fraco, também totalmente encardida. Apesar da situação ruim
e do susto inicial, ele agora apresentava uma expressão de serenidade e calma
no rosto.
- Então você é o marginal que tentou
me roubar... – disse o dono da casa, juntando as pontas dos dedos das duas
mãos.
- Não senhor. – respondeu o índio.
- Como não? Meu alarme não soou
quando você arrombou meu portão? Meus vigias não o trouxeram por ter invadido a
MINHA propriedade?
- Eu posso ter invadido sua
propriedade, mas eu não roubei nada...
- Como assim não roubou nada?! –
gritou o político, se levantando da cadeira e apontando o indicador direito
para a face do outro. – Você já estava tentando fugir levando MEUS pertences
naquele saco! ISSO É ROUBAR!
O ladrão não respondeu. O deputado
respirava rápido. Estava começando a ficar vermelho. Sentou-se novamente em sua
cadeira. O marginal continuava olhando calmamente para o dono da casa, que
recomeçou a falar:
- Por acaso... – sua voz estava
calma e com um tom de ironia. – Você sabe quem estava tentando roubar?
- Sei sim senhor... Afinal, é uma
figura pública importantíssima.
- Então, se me conhece, deveria
saber o quanto eu sou conhecido pelas políticas que pretendo colocar nesse país
com relação à punição que marginais como você merecem. Deveria saber que não
seria bonzinho com você.
- O poder é seu, senhor deputado...
Faça o que quiser. Sou só um mendigo sem importância. – disse o ladrão.
O dono da casa se escorou no encosto
da cadeira e juntou novamente as pontas dos dedos. Após alguns segundos
imaginando os horríveis castigos que aquele bandido merecia, ele perguntou aos
vigias:
- O que ele tentou roubar?
Um dos seguranças pegou um saco que
estava escorado no canto e colocou seu conteúdo em cima da escrivaninha. O
político olhou para aquilo, intrigado. O índio tentara levar apenas um punhado
de terra do jardim, um pedaço de ferro da escada da piscina e um galho de
árvore.
-
O que diabos significa isso? – perguntou.
- Como eu disse ao senhor: Não estou
roubando nada. Só recuperando alguns pertences do meu povo.
- Seu povo? – o deputado estava cada
vez mais curioso com aquela história.
- Índios. Índios que habitavam essa
terra muito antes dos seus antepassados chegarem aqui e tirarem tudo que eles
tinham, um fato que você tantas vezes exaltou em benefício deles. Isso é o que
eu posso devolver ao meu povo. Um punhado de terra do enorme território que
vocês tiraram de nós. Um pequeno pedaço de madeira por toda a natureza que foi
destruída pelos seus antigos ascendentes.
Um pedaço de ferro por todo o metal que foi arrancado da terra em benefício da
economia de um povo que veio do outro lado do horizonte.
O
político se levantou novamente e se escorou na sua escrivaninha, encarando o
rosto do ladrão mais de perto agora.
- É disso que se trata? – sua voz
demonstrava, sarcasticamente, o quanto ele não acreditava naquela história. –
Um “acerto de contas” indígena? Escute aqui seu criminoso, eu não sei que droga
você usou para inventar uma história dessas, mas dessa vez eu vou te deixar ir.
Se aparecer aqui de novo, vai levar ferro bem mais quente e bem mais
desagradável que isso que está roubando...
- Sinto muito senhor. Mas eu não
posso sair. – disse o índio. – Ainda não acabei.
- Quer tentar roubar mais alguma
coisa?
- Sim.
O índio fez um movimento rápido na
direção de um dos vigias. Escutaram-se dois tiros e os seguranças caíram mortos
no chão. O político empalideceu e deu vários passos para trás, encostado na
parede, como se quisesse se unir a ela.
- Essas são as vidas que vocês
tiraram do meu povo... – disse o ladrão, e largou a arma em cima da
escrivaninha, enquanto recolhia os itens e colocava-os novamente no saco.
O deputado demorou alguns segundos
para recuperar a fala:
- Por favor, não machuque a mim ou a
minha família. Farei tudo o que você quiser... É só me dizer...
- Apenas pense um pouco, senhor deputado. –
respondeu o velho índio, colocando o saco sobre as costas e a mão na maçaneta
da porta, com o rosto virado para trás. – Quem de nós é o verdadeiro ladrão?
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