quarta-feira, 20 de junho de 2012

Prints e Logs

Uma singela homenagem ao meu primeiro emprego...





6 da manhã. A música do Nirvana toca no alarme do meu celular e dentro da minha cabeça. Merda. É sempre o primeiro pensamento do dia. Mais dois minutos até abrir os olhos. Cinco até me destapar. Quinze até me sentar e levantar. O céu ainda ta escuro. Eu não sei por que todo dia alimento essa esperançazinha de um dia bom. Todos eles são iguais.

6 e meia. Entro no chuveiro e deixo a água cair no meu rosto como se fossem pequenos pedaços de pedra. Insuficiente. Totalmente insuficiente pra me manter aceso. Porém, os pensamentos começam a fluir mais ou menos nessa hora. Não que isso seja agradável, é claro.

7 horas. Embarco no ônibus onde vou permanecer durante uma hora e quinze minutos. No mínimo vinte de pé. Escuto o rádio. 24 assassinatos na madrugada. 22 mortos no trânsito. Atropelamento na Bento. “Adoro” esses testes de paciência da manhã. Um raiozinho de Sol. Pensando... Nenhuma reação. Tento de novo. Nada.

7 e meia. A única hora que presta: ouvir música. Nada a reclamar.

8 e quinze. Desembarcar do ônibus e caminhar pelo Centro de Porto Alegre até o prédio onde trabalho. Engraçado. O lugar é muito mais agradável com fones de ouvido. É muito mais fácil ignorar os mendigos, hippies, ciganas, vendedores e funcionários de campanhas políticas em que eu nem acredito mais. Talvez hoje tenha algum protesto. Daí nem tudo estaria perdido.

8 e meia. Ligo o computador do trabalho depois de ter bebido a primeira caneca de café preto do dia. Vou morrer de abstinência quando abandonar esse emprego. Mas eu já superei outros vícios. O único que nunca me abandonou de vez foi a Paranoia. Aquela mistura engraçada de medo com segurança, uma leve certeza de que estão te observando, prestes a te matar a qualquer momento. Fone de ouvido. Login. Senha errada. Botei a do Facebook.

9 e meia. Depois de passar os últimos trinta minutos encarando o ar condicionado eu decidi virar pro outro lado. Frestinha na cortina. Pessoas caminhando lá embaixo parecem formigas. Só não da pra queimar elas com uma lupa. Seria engraçado se não fosse trágico. Acho que é esse tipo de pensamento que o Osama Bin Laden alimentava. O Centro também é mais agradável do oitavo andar pra cima.

9 e quarenta e cinco. Primeiro sinal de alteração de humor. A velha não consegue entender como funciona o empréstimo que ela contratou. “É muito simples senhora.” Mentira. “O limite é diretamente proporcional à quantidade de parcelas liberadas pelo pagamento do seu débito automático.” O velho truque de complicar pra ver se ele desiste.

10 e vinte e cinco. O sistema está um pouco lento. Venho reparando isso já faz alguns dias, mas agora ta piorando. Não que eu me importe. Umas oito ligações nos últimos vinte minutos. Normal. Horário de movimento. “Passa pro Gerente” ou “Passa pro Ramal 04.” Inferno. Quantas mil vezes já não ouvi isso hoje? Merda. Me engasguei com água quando entrou a ligação.

11 e quinze. Intervalo. Hora da segunda, terceira e se der tempo, quarta caneca de café. Com certeza vou morrer de abstinência, se não pegar câncer antes. Bem que eles podiam liberar uma cervejinha no intervalo. Trovar fiado. Jogo do Grêmio. Filme novo. É. Essa parte vale a pena. A única parte que vale a pena. Apesar da chatice da rotina, valeu a pena conhecer esses caras.

11 e meia. Como diabos esse velho acha que eu vou conseguir marcar a consulta dele com o Doutor Wilmar às 15 horas? Porra! Pensei que fosse óbvio. Quer falar com o doutor? LIGA PRO DOUTOR! “Entendo senhor. Mas o meu sistema só permite transferência para a Agência que o senhor ligou.” Fico triste com a maneira que o Ser Humano está acostumado a fingir. Bem. Pelo menos aquela colega nunca fingiu que vai com a minha cara, sempre deixou clara a opinião dela a meu respeito. Talvez eu mereça mesmo ser odiado.

Meio-dia. Um caso estranho envolvendo um contrato de um banco que foi fechado em 1989. Tudo que eu queria na hora do almoço. Resolver um monte de merda que ficou pendente mais de vinte anos atrás. Vejamos o que o gerente acha disso... O filho da puta não me atende. Que é que aconteceu com essa bosta agora? Erro de sistema. Reiniciar a máquina. Melhor. Fico sem trabalhar uns minutinhos. Mandar Prints. Mandar Logs.

Meio-dia, vinte e nove minutos, cinquenta e um segundos. Contagem regressiva para o fim do expediente. Acabou. Bater o ponto. Começo a sonhar com a minha cama. Bem, quase sempre durmo no ônibus, então... Fones de ouvido. Trovar fiado e pegar a ultima caneca de café do dia. Vou morrer de abstinência. Se não morrer de paranoia. Ou atropelado. Viver todo dia igual é a mesma coisa que não viver. Quem sabe amanhã acontece algo diferente...

sexta-feira, 18 de maio de 2012

Eu e Minha Consciência - Prólogo



            Estranhamente, naquela noite eu havia chegado a casa com uma estranha e mórbida vontade de escrever. A caneca antes cheia de um líquido que eu já nem lembro se era café ou leite com chocolate em pó havia falhado em me trazer inspiração. Já estava vazia. A tela do computador me encarava com sua luz azulada rotineira e minha mente continuava mais vazia do que nunca.
            “Quem sabe um cigarro...” pensei, colocando um na boca depois de mais de um ano. Foi até confortável constatar que ainda tenho nojo daquilo. Mesmo assim, continuei fumando e apanhei uma taça do meu melhor vinho. Tomei dois goles parado na porta. A tela do computador continuava me encarando, como se dissesse: “Me olha! Me olha! Me olha! Me olha!” e o teclado parecia fazer um leve barulhinho, me chamando: “Me tecla! Me tecla! Me tecla! Me tecla!”
            Mais uma tragada e mais um gole, quando tomei um susto absurdo ao olhar para o vidro da janela. O rosto pálido de um homem careca de pele muito branca e muitas olheiras ao redor dos olhos verdes. A taça de vinho despencou ao chão e se despedaçou em dezenas de pedaços enquanto a cor vermelha banhava o meu chão como se fossem marcas de sangue. O cigarro continuava preso entre meus dedos.
         O homem abriu a janela de vidro e passou pelo meio das barras como se elas simplesmente não existissem. Na hora pude ver que usava uma espécie de casaco sobretudo preto por cima de uma camisa branca e uma calça jeans azul muito escuro. Ele baixou o capuz que tinha na cabeça e me encarou, falando:
            - Ufa! E esse frio hein?
Ele se sentou na minha cadeira de computador e botou os pés em cima da escrivaninha. Imediatamente a tela começou a ter interferência e as luzes azuis do gabinete começaram a piscar. Ele tirou o cigarro mais esquisito que eu já vi na vida, marrom e com manchas amarelo claro e apanhou meu isqueiro, usando ele pra acender. A fumaça daquele fumo tinha cheiro de essência pra banheiro.
        - Não quero parecer grosseiro... Mas... Quem... É você? – perguntei, completamente assustado, quase a ponto de me borrar.
           - Meu Deus, olha a merda que tu fez no chão! – disse o homem careca, apontando para os cacos de vidro. – Vai te dar trabalho limpar isso.
          - Quem... – repeti, devagar, com meu humor começando a mudar, junto com o tom de voz. – Quem é você, e o que faz no meu quarto?
            - Ah, bem. Azar o teu, vai ter que limpar depois...
            - Quem é tu, PORRA?
            Ele riu da minha raiva.
- Ah, babaca. Ainda não reparou...
            - FALA LOGO!
            - Sou sua consciência, seu idiota! – gritou ele, em um tom um pouco mais baixo que o meu, se levantando.
            - Eu tenho uma consciência? – perguntei, não acreditando muito naquela pegadinha.
            - Agora tem. Acabou ganhando esse privilegio.
            - Privilegio?
            - Digamos que... É um pouco caro manter uma consciência... Há despesas de transportes, alimentação e todo o resto. Então liberamos esse tratamento somente para os nossos “clientes mais especiais”... – o homem careca começou a brincar com as pás do ventilador.
            Eu comecei a rir. O homem continuava distraído enquanto fumava seu cigarro.
            - Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi... – eu disse. – Porque diabos eu mereceria ter uma consciência e por que ela seria um cara branquelo e careca? Onde estão os anjinhos e diabinhos?
           - Bem, às vezes as consciências são parecidas com seus clientes. Mas o seu caso era mais grave. Daí tiveram que mandar um mais experiente.
            Eu imitei o gesto dele e traguei o cigarro.
            - Então você é uma consciência experiente? – eu disse.
            - Pode-se dizer que sou uma das melhores... – ele inflou o peito ao falar isso.
            - Bem, isso não vem ao caso. Afinal, se essa história é verdade, quem mandou você e por que?
           - Bem, digamos que... Nossos outros empregados já não são suficientemente bons pra te manter sob controle.
            - Empregados?
        - É. Chamamos o setor de Remorso. Mas por alguma razão você parece imune ao controle da mente que eles possuem...
          - Pelo Amor de Deus! Eu sou livre e sei muito bem o que faço...
     - Não diga o nome em vão. Vocês humanos tem uma ideia muito estúpida do que é Deus. Sem falar nesse nome... Além disso, é exatamente essa liberdade que nos preocupa...
      - Por que? Eu já disse que sei o que estou fazendo...
        - Ah claro... Tanto que você nem lembrou que vinho não combina muito bem com seu estomago não é?
          Os olhos dele brilharam por uma fração de segundo e eu fui acometido por uma terrível ânsia de vomito incontrolável. Imediatamente corri ao banheiro e vomitei tudo que havia comido no dia. Cambaleante, caminhei de volta ao quarto, onde o homem careca continuava fumando, escorado na janela de braços cruzados.
           - Eu não sei como fez isso... – eu disse, apontando o dedo indicador pra cara dele. – Mas não foi nada divertido...
           - Que bom que pensa isso, rapaz, porque eu não estou aqui pra brincadeira. Tenho a missão de por um pouco de juízo nessa tua cachola vazia e eu não costumo falhar nas minhas missões. Mas... Bah... Tu vai ser um caso bem difícil.
             - Então é melhor abortar. Esse cara aqui é livre pra pensar o que quer!
       - CUIDADO GURI! – ele gritou, sumindo e reaparecendo na minha frente. – Não subestime meus poderes e nem o que eu posso fazer! Saiba que já dei ótimos castigos até cumprir meu dever! To tentando te ajudar! Não me force a fazer o que fiz ao Bill Clinton!
            - O que você fez ao Clinton? – eu perguntei, com uma das mãos na barriga.
       - Nem queira saber... – ele disse, segurando meu lápis, que um segundo depois murchava como se fosse feito de borracha. Eu entendi na mesma hora.
            - Ta legal... – eu disse. – Pode tentar fazer seu trabalho. Mas tu não vai me impedir de viver o que eu quero do jeito que eu quero!
            Outra risada.
            - Você humanos são todos iguais...
            E socou com toda a força o meio do meu peito. Apesar da pressão eu não senti dor, e antes de cair na cama eu já estava nela, me erguendo e olhando para os lados. A janela estava aberta e o Sol estava nascendo. Até agora não sei se eu estava sonhando ou não. Mas, naquele momento, cheguei a uma conclusão inegável:
            - Puta que pariu! Minha consciência é um pé no saco!


          E ai, digníssimos leitores... O que vocês acharam? Acham que merece continuação? Lembrem-se que a opinião de vocês vale mais do que qualquer cerveja importada... Ao menos comentem se curtiram ou não. Por favor! XD