Uma singela homenagem ao meu primeiro emprego...
6 da manhã. A música do
Nirvana toca no alarme do meu celular e dentro da minha cabeça. Merda. É sempre
o primeiro pensamento do dia. Mais dois minutos até abrir os olhos. Cinco até
me destapar. Quinze até me sentar e levantar. O céu ainda ta escuro. Eu não sei
por que todo dia alimento essa esperançazinha de um dia bom. Todos eles são
iguais.
6 e meia. Entro no chuveiro
e deixo a água cair no meu rosto como se fossem pequenos pedaços de pedra.
Insuficiente. Totalmente insuficiente pra me manter aceso. Porém, os
pensamentos começam a fluir mais ou menos nessa hora. Não que isso seja
agradável, é claro.
7 horas. Embarco no ônibus
onde vou permanecer durante uma hora e quinze minutos. No mínimo vinte de pé.
Escuto o rádio. 24 assassinatos na madrugada. 22 mortos no trânsito.
Atropelamento na Bento. “Adoro” esses testes de paciência da manhã. Um
raiozinho de Sol. Pensando... Nenhuma reação. Tento de novo. Nada.
7 e meia. A única hora que
presta: ouvir música. Nada a reclamar.
8 e quinze. Desembarcar do
ônibus e caminhar pelo Centro de Porto Alegre até o prédio onde trabalho.
Engraçado. O lugar é muito mais agradável com fones de ouvido. É muito mais
fácil ignorar os mendigos, hippies, ciganas, vendedores e funcionários de
campanhas políticas em que eu nem acredito mais. Talvez hoje tenha algum
protesto. Daí nem tudo estaria perdido.
8 e meia. Ligo o computador
do trabalho depois de ter bebido a primeira caneca de café preto do dia. Vou
morrer de abstinência quando abandonar esse emprego. Mas eu já superei outros
vícios. O único que nunca me abandonou de vez foi a Paranoia. Aquela mistura
engraçada de medo com segurança, uma leve certeza de que estão te observando,
prestes a te matar a qualquer momento. Fone de ouvido. Login. Senha errada. Botei
a do Facebook.
9 e meia. Depois de passar
os últimos trinta minutos encarando o ar condicionado eu decidi virar pro outro
lado. Frestinha na cortina. Pessoas caminhando lá embaixo parecem formigas. Só
não da pra queimar elas com uma lupa. Seria engraçado se não fosse trágico.
Acho que é esse tipo de pensamento que o Osama Bin Laden alimentava. O Centro
também é mais agradável do oitavo andar pra cima.
9 e quarenta e cinco.
Primeiro sinal de alteração de humor. A velha não consegue entender como
funciona o empréstimo que ela contratou. “É muito simples senhora.” Mentira. “O
limite é diretamente proporcional à quantidade de parcelas liberadas pelo
pagamento do seu débito automático.” O velho truque de complicar pra ver se ele
desiste.
10 e vinte e cinco. O
sistema está um pouco lento. Venho reparando isso já faz alguns dias, mas agora
ta piorando. Não que eu me importe. Umas oito ligações nos últimos vinte
minutos. Normal. Horário de movimento. “Passa pro Gerente” ou “Passa pro Ramal
04.” Inferno. Quantas mil vezes já não ouvi isso hoje? Merda. Me engasguei com
água quando entrou a ligação.
11 e quinze. Intervalo. Hora
da segunda, terceira e se der tempo, quarta caneca de café. Com certeza vou
morrer de abstinência, se não pegar câncer antes. Bem que eles podiam liberar
uma cervejinha no intervalo. Trovar fiado. Jogo do Grêmio. Filme novo. É. Essa
parte vale a pena. A única parte que vale a pena. Apesar da chatice da rotina,
valeu a pena conhecer esses caras.
11 e meia. Como diabos esse
velho acha que eu vou conseguir marcar a consulta dele com o Doutor Wilmar às
15 horas? Porra! Pensei que fosse óbvio. Quer falar com o doutor? LIGA PRO
DOUTOR! “Entendo senhor. Mas o meu sistema só permite transferência para a
Agência que o senhor ligou.” Fico triste com a maneira que o Ser Humano está
acostumado a fingir. Bem. Pelo menos aquela colega nunca fingiu que vai com a
minha cara, sempre deixou clara a opinião dela a meu respeito. Talvez eu mereça
mesmo ser odiado.
Meio-dia. Um caso estranho
envolvendo um contrato de um banco que foi fechado em 1989. Tudo que eu queria
na hora do almoço. Resolver um monte de merda que ficou pendente mais de vinte
anos atrás. Vejamos o que o gerente acha disso... O filho da puta não me
atende. Que é que aconteceu com essa bosta agora? Erro de sistema. Reiniciar a
máquina. Melhor. Fico sem trabalhar uns minutinhos. Mandar Prints. Mandar Logs.
Meio-dia, vinte e nove minutos, cinquenta e um segundos. Contagem regressiva para o fim do expediente. Acabou. Bater o ponto. Começo a sonhar com a minha cama. Bem, quase sempre durmo no ônibus, então... Fones de ouvido. Trovar fiado e pegar a ultima caneca de café do dia. Vou morrer de abstinência. Se não morrer de paranoia. Ou atropelado. Viver todo dia igual é a mesma coisa que não viver. Quem sabe amanhã acontece algo diferente...