OBS: Este conto é puramente ficcional e até foge um pouco ao meu estilo de escrita (estou diversificando). As opiniões expressas nele não necessariamente são iguais as minhas...
A
merda da dor de cabeça me acordou naquela manhã. Parecia que alguém tinha
pegado um martelo e batia com ele na minha cabeça. A minha boca tava mais seca
que xoxota de freira. Eu não levantei na hora. Ainda encarei um pouco o quarto
empoeirado. A luz vermelha ainda tava acesa, o cheiro da erva era forte e o
carpete colorido feito arco-íris tava cheio de bitucas de cigarro.
Levantei do colchão (eu não tenho
cama) ainda com a cabeça latejando. Só de cueca, apaguei a luz e abri a janela.
Puta que pariu! O sol parecia que ia arrancar meus olhos. Dei cinco passos
quase caindo até a pia do banheiro e tentei abrir a torneira. A água não saiu.
- Que é que houve com essa porra?
Eu já tava ficando muito puto da
cara quando lembrei que o encanamento do banheiro tava ruim. Depois de mijar
caminhei até a cozinha. A dor de cabeça tava pior. Joguei água na cara e me
escorei na pia. Vontade de vomitar. Muito certo que eu tava de ressaca.
A martelada mais forte da dor me acordou e
pela primeira vez eu vi que eram batidas na porta do apartamento. Bebi um pouco
de água direto da torneira e joguei mais um pouco em mim pra acordar de vez.
- Já vou, porra! – gritei, caminhando pelo
quarto, que também era a sala.
- Até que enfim, hein! – disse a guria, me
olhando com aqueles olhos cheios de maquiagem borrada, o vestido preto curto, o
cabelo solto e um baita fedor de cachaça. – To batendo na tua porta há meio ano
já.
- Azar o teu. – respondi, saindo da frente da
porta e procurando a carteira de cigarros. – Que ta fazendo aqui?
Isadora entrou no apartamento. Era filha de
um casal de inquilinos meus. Na falta do que fazer pra ganhar dinheiro, virou
prostituta. Tinha quinze anos. Pra família, uma vergonha. Pra mim, outra
putinha qualquer. Apesar de cagar pra ela, curtia o jeito que ela me chupava.
Ela até que gostava de mim.
- Vim te cobrar oras. Acha que eu dou de
graça? – respondeu a guria, parada, com o braço escorado na parede do quarto.
Merda. A carteira de cigarro tava vazia.
- Podia fazer às vezes, eu sei que tu gosta.
– eu disse.
- Mesmo que eu fizesse, tu não merece, César.
Sou a única pessoa nesse mundo que se preocupa contigo e tu me trata como uma
qualquer.
- Eu te trato como uma vadia. Se não gosta,
muda de profissão.
- Vá se fuder.
- Tu que é a especialista nisso.
Achei o pote de plástico onde eu guardava beck.
Tava vazio. Eu já tava ficando tenso, precisava urgentemente dar uma tragada de
manhã.
- E ai? Cadê minha grana? – perguntou
Isadora, que acendera um cigarro só pra me irritar.
Filha da puta. A vadia tragava o cigarro com
aqueles lábios carnudos e cheios de batom vermelho com os olhos fechados, da
maneira que mais saía fumaça, só pro cheiro me deixar mais desesperado. Eu não
ia pedir cigarro pra ela, nunca pedia nada que não fosse parte dos serviços
dela.
- Toma. – eu dei pra ela uma nota que tirei
do bolso da calça, que tava jogada no chão e comecei a catar as bitucas e
pontas de baseado do chão.
- Vinte reais? Nós combinamos cinqüenta!
- Há! Tu acha mesmo que vale tudo isso?
- Bem. Ainda tem os extras. – respondeu
Isadora, abrindo um leve sorrisinho e me encarando com aquela carinha de puta
enquanto tragava o cigarro. Ela tinha me pegado num momento de fraqueza. Quem
aquela vadiazinha pensava que era pra me desafiar daquele jeito? Apesar de
tudo, ainda fui bonzinho com ela:
- Eu desconto os trinta reais no aluguel da
tua mãe. Pode ser?
- Pode. – Isadora deu a última tragada e
jogou a pontinha ainda acesa no carpete, antes de pisar em cima dela. – Se
quiser algo mais, sabe onde me encontrar.
Ela caminhou pra fora do apartamento. Fiquei
olhando a bunda dela até ela chegar no corredor.
- Hei! – chamei. – Que tal um boquetinho
rápido?
- Vá tomar no cu. – respondeu Isadora,
batendo a porta.
Juntei o fumo das bitucas e o que sobrara nas
pontinhas e meti tudo dentro de uma seda. Ficou uma merda, tinha gosto de bosta
de vaca. Mesmo assim fumei, olhando a vista pela janela do meu quarto, no
último andar do prédio de cinco andares, só ouvindo meus pensamentos.
Que vida medíocre. Se eu ao menos tivesse
mais vontade de levantar a bunda do sofá pra fazer alguns grandes lances como
meu pai... Mas não. Tudo que eu faço é cobrar os aluguéis dos inquilinos e passar
as noites bebendo, fumando, ouvindo Pink Floyd e fudendo uma putinha qualquer.
Dias de ressaca. Noites de diversão fútil. Grande bosta.
Meu pai foi famoso. Saía seguido no jornal.
Tinha muita grana, muitos empregados e fazia absolutamente tudo o que queria. O
maior contrabandista da época. Ele tinha crescido na fronteira com a Argentina,
onde fez muitos contatos e logo era responsável por uma rede gigantesca de
contrabando e venda de drogas.
Depois que chegou em Porto Alegre, casou com
minha mãe e ganhou os apartamentos desse prédio como pagamento de uma dívida.
Quando eu ainda era pirralho, ele foi preso e morto na cadeia. Aí as coisas
ficaram uma merda. Minha mãe fazia tudo que era trabalho pra sustentar a gente.
Desde costura, até faxina e comida em lanchonete de gringo. Eu tive meia dúzia
de empreguinhos inúteis até cansar disso.
Briguei com a minha
mãe e saí da bosta da casa onde ela morou com meu pai. Fiquei com os
apartamentos, três no quinto andar, dois no quarto e um no primeiro. O do
primeiro estava muito ferrado, vendi pra um cara que nunca se mudou. Fiquei com
o melhorzinho, no quinto e alugo até hoje os outros. Não faço mais nada da
vida.
Dei mais uma tragada naquela bosta de vaca,
olhando as ruas no asfalto esburacado na frente do prédio, onde raramente
passava um carro. Os prédios ao redor estavam tão fudidos quanto o meu. O céu
parece ter uma cor muito mais feia aqui, nesse bairro de merda, perdido em
algum canto da zona norte da cidade.
Traguei de novo e fiquei com fome. Fui até a
cozinha e abri a geladeira. Só tinha um pedaço de mortadela, um golinho de
cachaça, meia garrafa de uísque vagabundo e um pouco de bacon. Da um omelete,
só ia faltar ovo. Fui até a sala e contei quanto de dinheiro tinha no bolso da
calça. Só umas moedas. Mas dava pra comprar pão. Eu ia precisar de mais grana.
Bem, uma das vantagens de ter inquilinos é
que sempre um ou outro vai atrasar o pagamento. Daí posso cobrar quando
precisar e arrancar o que eles tiverem de grana. Me vesti rápido e saí pro
corredor, trancando a porta. O quinto andar só tinha o meu apartamento, o dos
pais da Isadora e de um velho que nunca atrasava.
Eu ia ter que descontar a porra do pagamento
da vadia no aluguel dos pais, então não podia ser eles. Quem sabe o velho não
quer adiantar o pagamento? Vai que ele esquece e eu cobro de novo depois...
Bati na porta dele:
- Seu Demerval! – chamei. – Apareça aí, tenho
que falar contigo.
- Já vai! Já vai! – respondeu o velho e abriu
a porta. – Ora César, a que devo a honra?
Apesar de velho, ele não era doente, o que
dificultava um pouco arrancar a grana dele. Andava com costas retas, usava
óculos, era polaco e o pouco cabelo q ele tinha era branco demais. Sempre
vestia um colete verde de lã por cima da camisa branca desbotada.
Parei pra olhar dentro do apartamento dele.
Encostado na parede da janela ficava o sofá-cama, sempre bem arrumadinho. Em
uma das paredes do
lado,
bem na frente da poltrona velha e meio rasgada, ficava a TV, uma daquelas bem
antigas, época que controle remoto era ficção científica.
- Preciso de grana. Tu não gostaria de
adiantar o pagamento do mês?
- Sinto muito, filho. Mas só recebo minha
aposentadoria na semana que vem. Além disso, eu já não tinha adiantado o
pagamento do mês?
- Tinha? Bem, sei lá, não lembro... Então, tu
pode me dar dois ovos?
- Minha casa ta quase vazia. Minha neta vai
me trazer alguma comida, mas só amanhã. Sinto muito...
- Puta merda... Bem. Valeu então seu
Demerval.
Me virei e fui até as escadas, o prédio não
tem elevador. Bem, vamos tentar o andar de baixo. Um dos apartamentos era de um
homem e uma mulher que tinham acabado de juntar os trapos e não eram tão
pontuais. Quando não tavam trabalhando, tavam fudendo. E foi só eu encostar o
ouvido na porta pra saber que era uma hora ruim pra conversar. Achei melhor não
empatar.
Vamos a próxima porta. O apartamento pior e
mais fudido do prédio também tinha os inquilinos mais filhos da puta. O Matraca
e o Adilson eram dois drogados que sempre atrasavam nos pagamentos. Viciados em
pó, eram dois playboys metidos a fodões que tinham enganado os pais dizendo que
morar aqui era melhor pra estudar na faculdade, sendo que na real era só pra se
chaparem.
Matraca era alto e forte, mas muito burro.
Adilson era magrela, mas um pouco mais inteligente. Os dois eram brancos de
cabelo preto e com olhos claros cheios de olheiras. Bati na porta.
- Matraca, Adilson. Abre aí. – falei.
- Ah... Foi mal César. Agora não dá. – ouvi o
Adilson responder.
- Abre a porra dessa porta logo!
- To ocupado! – disse o Adilson.
- Tu prefere que eu passe a merda da minha
chave nessa porta?
- Porra... – ouvi a voz grave do Matraca.
Puxei o meu chaveiro com as cópias dos
apartamentos e enfiei a chave na fechadura. Quando tentei abrir, o Matraca tava
forçando a porta e só consegui ver uma fresta.
- Solta a porra da porta, Matraca... – disse
com calma, forçando.
- Não dá...
– respondeu.
Eu aproveitei a fresta que consegui abrir e
meti um pontapé na canela daquele cara burro e depois empurrei a porta com toda
força. Ela pegou no nariz dele, que quase quebrou.
Eu já sabia que os filhos da puta não tavam
fazendo boa coisa. Na mesinha do lado da janela, tinha um monte de saquinhos
cheios de pó e algumas notas de dinheiro. O Adilson tava sentado na cadeira de
frente de outro playboy magricelo com cara de chapado. Puto da cara, gritei pra
ele largar fincado dali. Assim que saiu, bati a porta e apontei o dedo pro
Adilson, gritando:
- QUANTAS MIL VEZES EU FALEI PRA NÃO VENDER
ESSA MERDA NA PORRA DO
APARTAMENTO?
- Calma César... – começou Adilson, Matraca
ainda tentava por o nariz no lugar. – A gente só ta vendendo um pozinho pra
ajudar nas despesas da casa...
- Vai pra puta que te pariu Adilson! Eu não
sou tão idiota quanto o Matraca. Todo mundo nesse prédio sabe que vocês são
dois riquinhos filhos da puta metidos a besta!
- Mas... César... – começou Matraca. Adilson
ainda tava calmo, o que me dava ainda mais raiva.
- Cala a boca! Ok, Adilson. Vou simplificar
pra você... Se tu vender essa porra aqui de novo... Não me importa quem é o teu
pai ou onde diabos tu estuda. Tu e esse bobalhão do Matraca vão estar fora
daqui antes que tu possa dizer “pó”!
E me virei caminhando na direção da porta que
eu ainda abri puto da cara. Matraca olhava pra mim com medo e respeito. Adilson
ainda tava calmo. Quando eu botei o primeiro pé no corredor, ele disse:
- Te deixo ficar com vinte por cento da
grana.
Eu parei na hora. Ele tinha dito a palavra
mágica: Grana. Virei e encarei o cara, questionando:
- Metade da grana... – rebati. Matraca tava
parado com cara de bunda e sangue saindo do nariz.
- Vinte e cinco por cento da grana... – disse
Adilson.
A gente se encarou algum tempo. Eu me
aproximei, olhando com raiva no olho dele:
- Ficamos em trinta por cento. Se não vou
aumentar a porra do aluguel.
Ele pensou um pouquinho antes de responder:
- Negocio fechado. – apertei a mão dele e
peguei as notas de cima da mesa.
- Bem, vou ficar com isso pra selar o
contrato. Já desconto o aluguel daqui.
- Mas... – ia protestar o Adilson.
-
Prefere ser despejado? – ficou quieto feito cadáver em velório. – Ótimo. Té
mais... – e saí.
Garanti a grana das minhas compras e
mais uns trocados de uma só vez. Aqueles arrombados não mereciam a grana que
ganhavam. Comprei pão, leite, carne, sabão, cerveja, erva e cigarro. Saindo do
mercado, num outro bairro da cidade, mais movimentado, eu acendi um cigarro e
traguei longamente. É foda o cara admitir que gosta de sentir a fumaça
queimando o pulmão. Já tava anoitecendo.
Quando
desci do ônibus no bairro do meu prédio, vi um bolo de gente ao redor da
calçada de onde eu morava. Certo que tinha acontecido alguma merda. Em um dos
lados, uma viatura da brigada tava estacionada. Dois policiais saíram do prédio
levando o pai da Isadora algemado pra dentro do carro. A mãe dela chorava
ajoelhada na calçada, com umas duas velhas abraçando ela. Eu empurrei quem tava
no caminho e cheguei até o meio dos curiosos pra olhar qual era o assunto da
vez. Me arrependi.
Era Isadora. Caída de barriga pra
cima, na calçada, com um monte de sangue saindo da barriga, onde ainda tava
cravada a faca de cortar carne. Os olhos dela estavam fechados e a maquiagem
nunca teve tão borrada antes. O batom vermelho agora era feito do sangue que
ela soltou pela boca. Não sei por que o cadáver dela me aterrorizou daquele
jeito.
Os curiosos tavam falando que o pai
tinha matado ela num acesso de raiva. A mãe não parava de chorar. Do lado do
corpo da puta, eu vi dois papéis jogados. Tavam manchados de sangue. Um era um
bilhete pra mim. O outro era um exame de laboratório.
Ela tava grávida.
Por favor, comentem. XD
Em breve, novidades no blog...