segunda-feira, 19 de março de 2012

Inquilinos

Então habitantes deste mundinho que chamamos de internet. Após algum tempinho sem nada de novo, aí vai mais um conto. Já está pronto a um certo tempo, mas devido ao "início oficial" do ano, não tive lá muito tempo pra posta-lo. Espero que aprovem!
OBS: Este conto é puramente ficcional e até foge um pouco ao meu estilo de escrita (estou diversificando). As opiniões expressas nele não necessariamente são iguais as minhas...
           



        A merda da dor de cabeça me acordou naquela manhã. Parecia que alguém tinha pegado um martelo e batia com ele na minha cabeça. A minha boca tava mais seca que xoxota de freira. Eu não levantei na hora. Ainda encarei um pouco o quarto empoeirado. A luz vermelha ainda tava acesa, o cheiro da erva era forte e o carpete colorido feito arco-íris tava cheio de bitucas de cigarro.
            Levantei do colchão (eu não tenho cama) ainda com a cabeça latejando. Só de cueca, apaguei a luz e abri a janela. Puta que pariu! O sol parecia que ia arrancar meus olhos. Dei cinco passos quase caindo até a pia do banheiro e tentei abrir a torneira. A água não saiu.
            - Que é que houve com essa porra?
            Eu já tava ficando muito puto da cara quando lembrei que o encanamento do banheiro tava ruim. Depois de mijar caminhei até a cozinha. A dor de cabeça tava pior. Joguei água na cara e me escorei na pia. Vontade de vomitar. Muito certo que eu tava de ressaca.
A martelada mais forte da dor me acordou e pela primeira vez eu vi que eram batidas na porta do apartamento. Bebi um pouco de água direto da torneira e joguei mais um pouco em mim pra acordar de vez.
- Já vou, porra! – gritei, caminhando pelo quarto, que também era a sala.
- Até que enfim, hein! – disse a guria, me olhando com aqueles olhos cheios de maquiagem borrada, o vestido preto curto, o cabelo solto e um baita fedor de cachaça. – To batendo na tua porta há meio ano já.
- Azar o teu. – respondi, saindo da frente da porta e procurando a carteira de cigarros. – Que ta fazendo aqui?
Isadora entrou no apartamento. Era filha de um casal de inquilinos meus. Na falta do que fazer pra ganhar dinheiro, virou prostituta. Tinha quinze anos. Pra família, uma vergonha. Pra mim, outra putinha qualquer. Apesar de cagar pra ela, curtia o jeito que ela me chupava. Ela até que gostava de mim.
           - Vim te cobrar oras. Acha que eu dou de graça? – respondeu a guria, parada, com o braço escorado na parede do quarto.
Merda. A carteira de cigarro tava vazia.
- Podia fazer às vezes, eu sei que tu gosta. – eu disse.
- Mesmo que eu fizesse, tu não merece, César. Sou a única pessoa nesse mundo que se preocupa contigo e tu me trata como uma qualquer.
- Eu te trato como uma vadia. Se não gosta, muda de profissão.
- Vá se fuder.
- Tu que é a especialista nisso.
Achei o pote de plástico onde eu guardava beck. Tava vazio. Eu já tava ficando tenso, precisava urgentemente dar uma tragada de manhã.
- E ai? Cadê minha grana? – perguntou Isadora, que acendera um cigarro só pra me irritar.
Filha da puta. A vadia tragava o cigarro com aqueles lábios carnudos e cheios de batom vermelho com os olhos fechados, da maneira que mais saía fumaça, só pro cheiro me deixar mais desesperado. Eu não ia pedir cigarro pra ela, nunca pedia nada que não fosse parte dos serviços dela.
- Toma. – eu dei pra ela uma nota que tirei do bolso da calça, que tava jogada no chão e comecei a catar as bitucas e pontas de baseado do chão.
- Vinte reais? Nós combinamos cinqüenta!
- Há! Tu acha mesmo que vale tudo isso?
- Bem. Ainda tem os extras. – respondeu Isadora, abrindo um leve sorrisinho e me encarando com aquela carinha de puta enquanto tragava o cigarro. Ela tinha me pegado num momento de fraqueza. Quem aquela vadiazinha pensava que era pra me desafiar daquele jeito? Apesar de tudo, ainda fui bonzinho com ela:
- Eu desconto os trinta reais no aluguel da tua mãe. Pode ser?
- Pode. – Isadora deu a última tragada e jogou a pontinha ainda acesa no carpete, antes de pisar em cima dela. – Se quiser algo mais, sabe onde me encontrar.
 
Ela caminhou pra fora do apartamento. Fiquei olhando a bunda dela até ela chegar no corredor.
- Hei! – chamei. – Que tal um boquetinho rápido?
- Vá tomar no cu. – respondeu Isadora, batendo a porta.
Juntei o fumo das bitucas e o que sobrara nas pontinhas e meti tudo dentro de uma seda. Ficou uma merda, tinha gosto de bosta de vaca. Mesmo assim fumei, olhando a vista pela janela do meu quarto, no último andar do prédio de cinco andares, só ouvindo meus pensamentos.
Que vida medíocre. Se eu ao menos tivesse mais vontade de levantar a bunda do sofá pra fazer alguns grandes lances como meu pai... Mas não. Tudo que eu faço é cobrar os aluguéis dos inquilinos e passar as noites bebendo, fumando, ouvindo Pink Floyd e fudendo uma putinha qualquer. Dias de ressaca. Noites de diversão fútil. Grande bosta.
Meu pai foi famoso. Saía seguido no jornal. Tinha muita grana, muitos empregados e fazia absolutamente tudo o que queria. O maior contrabandista da época. Ele tinha crescido na fronteira com a Argentina, onde fez muitos contatos e logo era responsável por uma rede gigantesca de contrabando e venda de drogas.
 Depois que chegou em Porto Alegre, casou com minha mãe e ganhou os apartamentos desse prédio como pagamento de uma dívida. Quando eu ainda era pirralho, ele foi preso e morto na cadeia. Aí as coisas ficaram uma merda. Minha mãe fazia tudo que era trabalho pra sustentar a gente. Desde costura, até faxina e comida em lanchonete de gringo. Eu tive meia dúzia de empreguinhos inúteis até cansar disso.
Briguei com a minha mãe e saí da bosta da casa onde ela morou com meu pai. Fiquei com os apartamentos, três no quinto andar, dois no quarto e um no primeiro. O do primeiro estava muito ferrado, vendi pra um cara que nunca se mudou. Fiquei com o melhorzinho, no quinto e alugo até hoje os outros. Não faço mais nada da vida.

Dei mais uma tragada naquela bosta de vaca, olhando as ruas no asfalto esburacado na frente do prédio, onde raramente passava um carro. Os prédios ao redor estavam tão fudidos quanto o meu. O céu parece ter uma cor muito mais feia aqui, nesse bairro de merda, perdido em algum canto da zona norte da cidade.
Traguei de novo e fiquei com fome. Fui até a cozinha e abri a geladeira. Só tinha um pedaço de mortadela, um golinho de cachaça, meia garrafa de uísque vagabundo e um pouco de bacon. Da um omelete, só ia faltar ovo. Fui até a sala e contei quanto de dinheiro tinha no bolso da calça. Só umas moedas. Mas dava pra comprar pão. Eu ia precisar de mais grana.
Bem, uma das vantagens de ter inquilinos é que sempre um ou outro vai atrasar o pagamento. Daí posso cobrar quando precisar e arrancar o que eles tiverem de grana. Me vesti rápido e saí pro corredor, trancando a porta. O quinto andar só tinha o meu apartamento, o dos pais da Isadora e de um velho que nunca atrasava.
Eu ia ter que descontar a porra do pagamento da vadia no aluguel dos pais, então não podia ser eles. Quem sabe o velho não quer adiantar o pagamento? Vai que ele esquece e eu cobro de novo depois... Bati na porta dele:

- Seu Demerval! – chamei. – Apareça aí, tenho que falar contigo.
- Já vai! Já vai! – respondeu o velho e abriu a porta. – Ora César, a que devo a honra?
Apesar de velho, ele não era doente, o que dificultava um pouco arrancar a grana dele. Andava com costas retas, usava óculos, era polaco e o pouco cabelo q ele tinha era branco demais. Sempre vestia um colete verde de lã por cima da camisa branca desbotada.

Parei pra olhar dentro do apartamento dele. Encostado na parede da janela ficava o sofá-cama, sempre bem arrumadinho. Em uma das paredes do
lado, bem na frente da poltrona velha e meio rasgada, ficava a TV, uma daquelas bem antigas, época que controle remoto era ficção científica.

- Preciso de grana. Tu não gostaria de adiantar o pagamento do mês?
- Sinto muito, filho. Mas só recebo minha aposentadoria na semana que vem. Além disso, eu já não tinha adiantado o pagamento do mês?
- Tinha? Bem, sei lá, não lembro... Então, tu pode me dar dois ovos?
- Minha casa ta quase vazia. Minha neta vai me trazer alguma comida, mas só amanhã. Sinto muito...
- Puta merda... Bem. Valeu então seu Demerval.
Me virei e fui até as escadas, o prédio não tem elevador. Bem, vamos tentar o andar de baixo. Um dos apartamentos era de um homem e uma mulher que tinham acabado de juntar os trapos e não eram tão pontuais. Quando não tavam trabalhando, tavam fudendo. E foi só eu encostar o ouvido na porta pra saber que era uma hora ruim pra conversar. Achei melhor não empatar.
 Vamos a próxima porta. O apartamento pior e mais fudido do prédio também tinha os inquilinos mais filhos da puta. O Matraca e o Adilson eram dois drogados que sempre atrasavam nos pagamentos. Viciados em pó, eram dois playboys metidos a fodões que tinham enganado os pais dizendo que morar aqui era melhor pra estudar na faculdade, sendo que na real era só pra se chaparem.
Matraca era alto e forte, mas muito burro. Adilson era magrela, mas um pouco mais inteligente. Os dois eram brancos de cabelo preto e com olhos claros cheios de olheiras. Bati na porta.
- Matraca, Adilson. Abre aí. – falei.
- Ah... Foi mal César. Agora não dá. – ouvi o Adilson responder.
- Abre a porra dessa porta logo!
- To ocupado! – disse o Adilson.
- Tu prefere que eu passe a merda da minha chave nessa porta?
- Porra... – ouvi a voz grave do Matraca.
Puxei o meu chaveiro com as cópias dos apartamentos e enfiei a chave na fechadura. Quando tentei abrir, o Matraca tava forçando a porta e só consegui ver uma fresta.
- Solta a porra da porta, Matraca... – disse com calma, forçando.
- Não dá...  – respondeu.
Eu aproveitei a fresta que consegui abrir e meti um pontapé na canela daquele cara burro e depois empurrei a porta com toda força. Ela pegou no nariz dele, que quase quebrou.

Eu já sabia que os filhos da puta não tavam fazendo boa coisa. Na mesinha do lado da janela, tinha um monte de saquinhos cheios de pó e algumas notas de dinheiro. O Adilson tava sentado na cadeira de frente de outro playboy magricelo com cara de chapado. Puto da cara, gritei pra ele largar fincado dali. Assim que saiu, bati a porta e apontei o dedo pro Adilson, gritando:
- QUANTAS MIL VEZES EU FALEI PRA NÃO VENDER ESSA MERDA NA PORRA DO APARTAMENTO? 
- Calma César... – começou Adilson, Matraca ainda tentava por o nariz no lugar. – A gente só ta vendendo um pozinho pra ajudar nas despesas da casa...
- Vai pra puta que te pariu Adilson! Eu não sou tão idiota quanto o Matraca. Todo mundo nesse prédio sabe que vocês são dois riquinhos filhos da puta metidos a besta!
- Mas... César... – começou Matraca. Adilson ainda tava calmo, o que me dava ainda mais raiva.
- Cala a boca! Ok, Adilson. Vou simplificar pra você... Se tu vender essa porra aqui de novo... Não me importa quem é o teu pai ou onde diabos tu estuda. Tu e esse bobalhão do Matraca vão estar fora daqui antes que tu possa dizer “pó”!
E me virei caminhando na direção da porta que eu ainda abri puto da cara. Matraca olhava pra mim com medo e respeito. Adilson ainda tava calmo. Quando eu botei o primeiro pé no corredor, ele disse:
- Te deixo ficar com vinte por cento da grana.
Eu parei na hora. Ele tinha dito a palavra mágica: Grana. Virei e encarei o cara, questionando:
- Metade da grana... – rebati. Matraca tava parado com cara de bunda e sangue saindo do nariz.
- Vinte e cinco por cento da grana... – disse Adilson.
A gente se encarou algum tempo. Eu me aproximei, olhando com raiva no olho dele:
- Ficamos em trinta por cento. Se não vou aumentar a porra do aluguel.
Ele pensou um pouquinho antes de responder:
- Negocio fechado. – apertei a mão dele e peguei as notas de cima da mesa.
- Bem, vou ficar com isso pra selar o contrato. Já desconto o aluguel daqui.
            - Mas... – ia protestar o Adilson.
            - Prefere ser despejado? – ficou quieto feito cadáver em velório. – Ótimo. Té mais... – e saí.
            Garanti a grana das minhas compras e mais uns trocados de uma só vez. Aqueles arrombados não mereciam a grana que ganhavam. Comprei pão, leite, carne, sabão, cerveja, erva e cigarro. Saindo do mercado, num outro bairro da cidade, mais movimentado, eu acendi um cigarro e traguei longamente. É foda o cara admitir que gosta de sentir a fumaça queimando o pulmão. Já tava anoitecendo.
 
         Quando desci do ônibus no bairro do meu prédio, vi um bolo de gente ao redor da calçada de onde eu morava. Certo que tinha acontecido alguma merda. Em um dos lados, uma viatura da brigada tava estacionada. Dois policiais saíram do prédio levando o pai da Isadora algemado pra dentro do carro. A mãe dela chorava ajoelhada na calçada, com umas duas velhas abraçando ela. Eu empurrei quem tava no caminho e cheguei até o meio dos curiosos pra olhar qual era o assunto da vez. Me arrependi.
            Era Isadora. Caída de barriga pra cima, na calçada, com um monte de sangue saindo da barriga, onde ainda tava cravada a faca de cortar carne. Os olhos dela estavam fechados e a maquiagem nunca teve tão borrada antes. O batom vermelho agora era feito do sangue que ela soltou pela boca. Não sei por que o cadáver dela me aterrorizou daquele jeito.
            Os curiosos tavam falando que o pai tinha matado ela num acesso de raiva. A mãe não parava de chorar. Do lado do corpo da puta, eu vi dois papéis jogados. Tavam manchados de sangue. Um era um bilhete pra mim. O outro era um exame de laboratório.






                Ela tava grávida.






          

            
               Por favor, comentem. XD
               Em breve, novidades no blog...

Um comentário:

  1. Acho que essa escrita dá bem mais o que falar.
    Cuidado pra não entregar o desfecho da história com as fotos.
    A história ficou como um cigarro vagabundo aceso,
    Me da um conflito, ou cause uma queimadura muito forte.
    Ou compre um cigarro de marca.
    Gostei de ler :)

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